quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Prefiro dizer vida, ao invés de luto!

"Não basta existir, há que viver. Não basta viver, há que ser. Não basta ser, há que transparecer. Não basta transparecer, há que servir. E só então partir. Saciado de dias e de noites, de luzes e de sombras, de amores, tremores e louvores. Em paz, como um avô sorridente, descascando uma laranja para o seu netinho. Confiante, como uma criança inocente se jogando nos braços de sua mãe. É longa e paradoxal a caminhada de retorno à Morada da Essência, de onde jamais partimos..." Roberto Crema

Não sei se morte e vida são antônimos, mas sinto que caminham lado a lado... A existência de um valida a do outro. E se a morte me causa espanto, talvez a vida também... O que penso dela hoje? É uma possibilidade, como viver também é! Muitos vivem sem viver e outros morrem sem morrer, ficam livres em nossas lembranças e presentes em nossas quietudes.

E neste dueto de possibilidades, eu vi o Câncer dançar...

Um senhor me abordou na rua e sem rodeios veio logo perguntando “O Câncer também passou por você? Está curada?”, enquanto lhe respondia, seus olhos enchiam de lágrimas e por fim ele disse “Você me lembrou que devo comemorar meu aniversário, sofri tanto durante o tratamento de um Linfoma de Hodgkin, que prefiro esquecer, mas uns dias atrás fez um ano o transplante... Completei um ano de vida! Estou vivo e fico feliz em saber que também está.” Enxugou suas lágrimas e seguiu...

Hoje pela manhã, enquanto agradecia o dia e pediu pela cura de alguns amigos... Senti tristeza. Conheci por meio deste blog Viviane Peixoto, ela também estava em tratamento e certa vez me agradeceu por compartilhar minha história... O Câncer de Mama era comum a nós, conversamos muitas vezes sobre isso, trocamos dicas e afeto. Quando seu caso clínico se complicou, ela publicou um texto emocionante, dizendo da sua imensa vontade de viver, da força que encontrava nas dificuldades e sobre a certeza de sua cura.  Neste dia eu lhe escrevi agradecendo as palavras e dizendo que sentia grande afeto por ela, que lhe amava pela sua força e coragem, ela respondeu o mesmo. E então eu me lembro do Pequeno Príncipe:
...
- Que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui - disse a raposa. - Que procuras?
- Procuro os homens - disse o pequeno príncipe. - Que quer dizer "cativar"?
- Os homens - disse a raposa - têm fuzis e caçam. É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinhas?
- Não - disse o príncipe. - Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
- É algo quase sempre esquecido - disse a raposa. Significa "criar laços"...
- Criar laços?
- Exatamente - disse a raposa. - Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender - disse o pequeno príncipe. - Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...

Trecho de O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry



Sempre que alguém diz: “Estou orando por você”, eu peço para que estenda suas orações a todos os que necessitam de cura. Eu vivenciei o tratamento de Câncer e sei quão intensa e dolorida este processo pode ser, há de se ter fé e confiança, pois muitas vezes parece que estamos piores... A cura vem pela dor, pelos incômodos e pelo tempo que se dilata na espera pelo fim.

Hoje a espera de Vivi chegou ao fim, creio sim que foi curada e que este momento significa apenas uma passagem...

Morte e vida, possibilidades conjugadas pelos verbos, estar e passar... Que encontram sua unidade em SER. E assim também é o Câncer... Triste e emocionada pela passagem de Vivi, mas profundamente tocada e grata pela sua presença em minha vida.

Me resta dançar a vida, já que por aqui este tal de Câncer dançou!

RTZB

Um comentário:

  1. Como não se emocionar ao ler seu texto...
    A morte é a única certeza de nossa existência e quanto mais criamos laços e amores, mais difícil se torna a partida... Eu vi a vida de minha mãe se esvair lentamente e nem no último segundo tive coragem de me despedir... Embora que dentro de mim eu tenha me preparado, mesmo que contra minha vontade, eu não consegui verbalizar o quanto ela era especial e como era grata por tudo que ela me ensinara... Parecia que dizer era a mesma coisa que estar desistindo de ter fé...
    Ao ler o seu depoimento parecia que eu recebia uma parte deste grande quebra-cabeças... É entender um pouco mais o ponto de vista de alguém que está do outro lado e que venceu esta terrível batalha...
    Seu texto é realmente brilhante... Ensina a viver!!!

    ResponderExcluir