quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Fugindo de Chronos


31 anos comparados aos 114 anos que minha tataravó viveu o que são... Nada!

Estes dias me surpreendi ao responder a pergunta de um amigo:
- E ai, correndo muito?
- Não, resolvi parar correr!
Pois é, nunca antes a composição de Almir Sater fez tanto sentido... “Ando devagar, por que já tive pressa...”. E não por que cansei, poderia continuar correndo, me envolvendo em vários projetos, muitos trabalhos, compromissos, tudo muito... Mas pra quê? Apenas para elevar meu ego me exibindo por aí com aquilo que fui capaz de fazer, ou fazer por que a sociedade atual me cobra! Ela diz: acorde cedo (muito cedo), ganhe dinheiro, pague suas contas, faça compras, adquira bens, sorria sempre e lembre-se de se divertir. É isso que tenho ouvido dela. Corra. Produza. Sucesso. Seu tempo é agora. Diante disso o que escuto dos meus amigos é “Estou cansado”. ”Eu só trabalho”. “Não tenho tempo para nada”. “Dinheiro que é bom, nada!”. Sinceramente quero ser livre, e não escrava deste maldito tempo, que quanto mais corremos mais ele parece acelerar.
Na mitologia grega, Chronos era a personificação do tempo. Li que em sua jornada ele come seus filhos, o que não deixa de ser um aspecto do tempo, devorador. Ele consome todas as coisas, o passado, o futuro e tem devorado o presente de todos nós.
Tenho me dedicado a lutar contra Chronos, não quero ver meus dias passar cheios de vazios. Essa é a impressão que tenho, estamos correndo sem se quer saber para onde e tampouco para que.
Correndo deixamos de aproveitar o caminho. Não apreciamos as paisagens, não sentimos os sabores e os aromas, não vemos as cores e as formas. Os sentidos se anulam e prol da visão que aponta o destino e pra lá vamos em desatino.
Meu maior medo é ser hipnotizada por Chronos, cair em suas armadilhas e me tornar sua escrava. Seu poder é capaz de anestesiar minhas emoções e sensações, me deixar oca por dentro.
Às vezes me sinto indo pela contramão. Não acordo muito cedo. Não trabalho exaustivamente. Não tenho bens. Detesto shopping e tenho pavor de dívida. E por isso dizem que tenho a vida boa. Verdade, tenho mesmo. O que esquecem de pensar ao dizerem isto é que eu escolhi assim. E assim como você tenho ônus e bônus, que só eu sei quais são e tendo lidar bem com eles.
 
Trecho da poesia "Qualquer caminho leva a toda parte"
“Qualquer ponto é o centro do infinito.
E por isso, qualquer que seja a arte
De ir ou ficar, do nosso corpo ou espírito,
Tudo é estático e morto. Só a ilusão
Tem passado e futuro, e nela erramos.
Não há estrada senão na sensação
É só através de nós que caminhamos.

Tenhamos pra nós mesmos a verdade
De aceitar a ilusão como real
Sem dar crédito à sua realidade.
E, eternos viajantes, sem ideal
Salvo nunca parar, dentro de nós,
Consigamos a viagem sempre nada
Outros eternamente, e sempre sós;
Nossa própria viagem é viajante e estrada.”
 © FERNANDO PESSOA
11-10-1919
In Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa, 1990
Ed. Estampa, Lisboa