"Não
basta existir, há que viver. Não basta viver, há que ser. Não basta ser, há que
transparecer. Não basta transparecer, há que servir. E só então partir. Saciado
de dias e de noites, de luzes e de sombras, de amores, tremores e louvores. Em
paz, como um avô sorridente, descascando uma laranja para o seu netinho. Confiante,
como uma criança inocente se jogando nos braços de sua mãe. É longa e paradoxal
a caminhada de retorno à Morada da Essência, de onde jamais partimos..." Roberto
Crema
Não sei se morte e vida são antônimos, mas
sinto que caminham lado a lado... A existência de um valida a do outro. E se a
morte me causa espanto, talvez a vida também... O que penso dela hoje? É uma
possibilidade, como viver também é! Muitos vivem sem viver e outros morrem sem
morrer, ficam livres em nossas lembranças e presentes em nossas quietudes.
E neste dueto de possibilidades, eu vi o Câncer
dançar...
Um senhor me abordou na rua e sem rodeios veio
logo perguntando “O Câncer também passou por você? Está curada?”, enquanto lhe
respondia, seus olhos enchiam de lágrimas e por fim ele disse “Você me lembrou
que devo comemorar meu aniversário, sofri tanto durante o tratamento de um Linfoma
de Hodgkin, que prefiro esquecer, mas uns dias atrás fez um ano o
transplante... Completei um ano de vida! Estou vivo e fico feliz em saber que
também está.” Enxugou suas lágrimas e seguiu...
Hoje pela manhã, enquanto agradecia o dia e
pediu pela cura de alguns amigos... Senti tristeza. Conheci por meio deste blog
Viviane Peixoto, ela também estava em tratamento e certa vez me agradeceu por
compartilhar minha história... O Câncer de Mama era comum a nós, conversamos
muitas vezes sobre isso, trocamos dicas e afeto. Quando seu caso clínico se
complicou, ela publicou um texto emocionante, dizendo da sua imensa vontade de
viver, da força que encontrava nas dificuldades e sobre a certeza de sua cura. Neste dia eu lhe escrevi agradecendo as
palavras e dizendo que sentia grande afeto por ela, que lhe amava pela sua
força e coragem, ela respondeu o mesmo. E então eu me lembro do Pequeno Príncipe:
...
- Que quer dizer
"cativar"?
- Tu não és daqui - disse a raposa. - Que procuras?
- Procuro os homens - disse o pequeno príncipe. - Que quer dizer
"cativar"?
- Os homens - disse a raposa - têm fuzis e caçam. É assustador! Criam
galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras
galinhas?
- Não - disse o príncipe. - Eu procuro amigos. Que quer dizer
"cativar"?
- É algo quase sempre esquecido - disse a raposa. Significa "criar
laços"...
- Criar laços?
- Exatamente - disse a raposa. - Tu não és ainda para mim senão um
garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade
de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma
raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos
necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti
única no mundo...
- Começo a compreender - disse o pequeno príncipe. - Existe uma flor...
eu creio que ela me cativou...
Trecho de O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry
Sempre que alguém diz: “Estou orando por você”,
eu peço para que estenda suas orações a todos os que necessitam de cura. Eu
vivenciei o tratamento de Câncer e sei quão intensa e dolorida este processo
pode ser, há de se ter fé e confiança, pois muitas vezes parece que estamos
piores... A cura vem pela dor, pelos incômodos e pelo tempo que se dilata na
espera pelo fim.
Hoje a espera de Vivi chegou ao fim, creio sim
que foi curada e que este momento significa apenas uma passagem...
Morte e vida, possibilidades conjugadas pelos
verbos, estar e passar... Que encontram sua unidade em SER. E assim também é o Câncer...
Triste e emocionada pela passagem de Vivi, mas profundamente tocada e grata
pela sua presença em minha vida.
Me resta dançar a vida, já que por aqui este
tal de Câncer dançou!
RTZB