domingo, 17 de janeiro de 2016

Corpo. Espaço. Tempo. Enfim... Movimento.

Há quem diz que a Dança é a arte do movimento. E a história evolutiva do Homem nos mostra que mover-se é inerente ao Ser Humano. Notamos que estamos em movimento o tempo todo, dos ciclos da respiração, aos ciclos da lua. Talvez, dançar seja simplesmente isso, um processo de reconhecer e perceber os movimentos que nos cercam... Nos tocam... E nos fazem transcender. 

Difícil é em tempos de caos, parar para sentir. Podemos não querer parar, e tampouco não querer escutar. Não escutar as fagulhas e murmúrios que a todo instante ele, o corpo, resmunga. Corpos fragmentados imploram por ajuda.

O corpo não mente, e além disso ele conta nossas histórias. Jean-Yves Leloup diz “O corpo é nossa memória mais arcaica. Nele, nada é esquecido”. Todos os acontecimentos de nossa existência, da infância a vida adulta ficam registrados em nosso corpo e deixam marcas profundas, cada qual com um sentido há ser desvelado.

Como adentrar o universo particular? Para que reconhecer as fragilidades e os limites? Aquiete-se, confie e adentre. Pode ser surpreendente. Descobrem-se habilidades, ampliam-se as fronteiras dos limites, e principalmente pode se tornar conscientemente responsável por suas escolhas.

Estruturados no Cartesianismo, podemos por meio do movimento, resgatar a UNIDADE perdida no dualismo, corpo e mente. Sociedade alienada, corpos desconectados, emoções anuladas. Essa é a herança que temos hoje. Executamos o que todos executam, repetimos sem se quer saber por que e sentimos o que mesmo?

Não temos mais tempo! Precisamos urgentemente relembrar a harmonia presente nos movimentos cíclicos do nosso corpo, que acontecem a todo instante dentro e fora de nós.

Estudos dizem que vamos ao longo da vida criando em nosso corpo couraças de proteção, comportamentos enrijecidos e consequentemente um corpo resistente, inflexível e sem vida. Costumo perguntar o que acontece com uma poça d´água parada? Cria lodo e transmite doença. Pois é essa, a imagem que tenho de um corpo que não se movimenta, a energia não circula, gera desarmonia, desintegração e doença.
"Que tudo que é pesado torne-se leve
Que todo corpo vire bailarino
Que todo espírito vire pássaro!"
0mar khayãm

É fácil encontrar por aí, quem houvesse um dia tido o sonho de se tornar uma bailarina. Permitir-se ainda que tardiamente, vivenciar este sonho, pode significar um encontro consigo mesmo, um resgate de algo que se perdeu no tempo, em meio a tantas obrigações e fazeres de uma vida corrida. Dizemos não ter tempo para nada, e quando vemos o tempo passou e nossos desejos mais sinceros foram guardados, quase que escondidos em compartimentos secretos. Se propor a resgatar este sonho pode desfazer a angústia que muitas vezes o avanço da idade e a falta de mobilidade cria, ou simplesmente pode trazer a alegria e o prazer que a movimento proporciona. 

Aquele que inicia uma vivência com a dança, realiza uma atividade física e artística, proporcionando a integração entre razão e emoção, ampliando a percepção de si, do outro e do meio, estimulando a imaginação e a criatividade, despertando a intuição e o sentir das emoções, além de propor o reconhecimento de sua estrutura física por meio da consciência corporal, o que gera aceitação de seu corpo como é, com suas qualidades e limitações.

Tenho visto em sala de aula, mulheres de 30 a 70 anos se propondo a adentrar o universo da dança, com entrega e verdade. Cada descoberta de movimento um sorriso largo no rosto, um olhar marejado, um abraço apertado e um desafio cumprido.

Mulheres que passam a reconhecer o movimento leve e sutil da respiração. Permitem pouco a pouco que o peso do corpo repouse no solo. Corpo, morada, casa de abrigo e cuidado. Livres, os corpos se lançam em aventuras pelo espaço, exploram a sutileza do feminino e a força do masculino. Desabrocham. Criam elos entre os diferentes. Flertem seus joelhos reverenciando a vida.

Posso perceber nos corpos que adentram a sala de aula, um desejo desesperador de aquietar o corpo e silenciar as preocupações. Buscam leveza e flexibilidade, a princípio nos movimentos, mas percebem aos poucos que o pensamento também dança, flutua, voa. Tudo é uma coisa só. A verdade de cada uma, passa a ser expressada por movimentos que transbordam beleza e sutileza. Nenhum movimento é em vão. Não se tem a pretensão de exibir virtuosismo técnico. O único desejo: expressar em movimento o que as palavras não podem dizer.

Referência

- LELOUP, Jean Ives. “O corpo e seus símbolos.” – Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.



 
"Sentimento de liberdade,
Alegria, paz... Me encontrando,
E rompendo barreiras,
E voando como um pássaro,
A procura de mim mesma"...

Ivanilde Araújo -
Aprendiz do ateliê de Dança Contemporânea da Fábrica de Cultura Cidade Tiradentes





FERNANDO PESSOA EM MOVIMENTO

Desfrutem um pequeno registro do encerramento do ateliê de Dança Contemporânea da Fábrica de Cultura Cidade Tiradentes, o processo se desenvolveu a partir da inspiração poética da obra de Fernando Pessoa.

“Não digas nada! Nem mesmo a verdade. Há tanta suavidade em nada se dizer. E tudo se entender...” (Fernando Pessoa). E tudo se sentir por meio do movimento que atravessa estes corpos cotidianos, de pessoas comuns que ao mesmo tempo dialogam com o universo da arte contemporânea. Transformando limites em possibilidades. Palavras em movimento. Poesia em dança. Preenchem o silêncio com suas histórias e caminham em direção a si mesmas.