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31 de dezembro de 2011 |
Estes dias conversando com um
mestre, destes velhos e sábios, novos e ingênuos... Ele disse “... o pior já
passou”, eu resmunguei afirmando, “É claro que não! A quimioterapia me derruba,
fico fraca dias e dias, com uma sensação horrível”, ele complementa “Sim, é
isso mesmo, precisa ser assim, forte e intensa para lhe proteger para uma vida
longa, pelo menos quimioterapia não mata, não é mesmo!?”.
É claro que depois disso, o
silêncio se instalou, eu chorei e pensei que realmente a história poderia ter
tido outro rumo, mais trágico e sofrido. Foi então que me dei conta que troquei
a zona de risco, do risco da morte para o risco da vida.
Ter risco de vida é muito mais assustador que
ter risco de morte, a morte não me afligia e viver este risco era simplesmente
me entregar as dores e sofrimento e esperar o tempo tomar partido e por fim
ir... Simplesmente nada a fazer.
Viver o risco de vida implica em ter atitude, ação,
coragem... Arriscar-se a viver é fazer uma lista de todas as coisas que desejo
fazer nesta existência e começar colocá-las em prática, e isso me assusta. A
frustração de desejar alto pode ser grande, mas a frustração de nada desejar
pode ser maior ainda...
É como olhar em um binóculo e antes do zoom
conseguir olhar a magnitude de possibilidades existentes e com o zoom perceber
a riqueza em detalhes, a beleza sutil presente em cada possibilidade. E então
deixar o binóculo de lado e seguir em direção, a essa imagem por hora
encantada, mas tão viva e real quanto a possibilidade de estar presente aqui
neste momento.
Eu tenho feito a minha lista, tenho desejado
tantas coisas que o risco de viver é enorme... São coisas que jamais imaginei
sonhar, jamais desejei e que hoje são tão vivas, verdadeiras e intensas que a
vontade é sair correndo e viver a aventura deste risco... Andar entre muros,
entre carros, entre estradas, entre paisagens, entre eu e você, entre o agora,
o depois e o antes. É como se coração estivesse agindo em direção a uma
magnífica paisagem, a visão perfeita do que seria o mundo encantado, sem
métrica, sem forma, sem horário, sem ordens, feito somente da graça e da beleza
de caminhar crendo que uma melhor paisagem sempre há por vir. E sentir que aquele
que tanto me inspirou, hoje caminha lado a lado, e se um dia desejei ser igual,
ele sussurra em meus ouvidos me encorajando a ser simplesmente melhor.
Os desejos me parecem complexos, imateriais, eu
não quero o carro do ano, a casa perfeita, nem a viagem dos sonhos. Eu almejo
dignidade, quietude, plenitude, força e coragem para andar por caminhos
desconhecidos, abstratos e intocáveis, supérfluos para alguns, mas essenciais
para mim.
O risco de viver está exatamente em ter a
consciência da responsabilidade que tenho nas mãos e nos pés, a consciência de
que os caminhos serão sempre sinuosos e entre vales e montanhas, o topo será
apenas uma passagem... Ora encima, ora embaixo, enquanto encima estiver
desfrutar da beleza da amplitude que se apresenta a minha frente e ter na
lembrança o quanto forte fui para chegar até ali... E quando no vale estiver
que eu possa ter a dignidade de repousar na beira da lagoa, ouvindo o canto dos
pássaros, desfrutando da bela paisagem que se apresenta tão próxima, e que
inclui a minha presença.
Eu não tenho medo do risco de morte, eu sei que
a passagem vai acontecer a qualquer momento para todos nós, mas o risco de
viver este é incerto, uns vivem, outros sobrevivem, outros passam sem se quer ter
vivido...
RTZB